Me imite se for capaz: A jornada da Inteligência Artificial

Por Daniel Maier e Yuri Quisbert

Se você cresceu assistindo filmes dos anos 90, talvez tenha ficado um pouco apreensivo com a chegada da Inteligência Artificial (IA). Afinal, é difícil não lembrar de clássicos como O Exterminador do Futuro e Matrix, que retratavam futuros dominados por máquinas. Entretanto, a realidade da IA é bem diferente do que Hollywood idealizou. Com a evolução tecnológica avançando em ritmo exponencial, é necessário desmistificar alguns mitos, começando pela ideia de que a IA é “uma grande novidade nunca antes discutida”.

A verdade é que o conceito de Inteligência Artificial começou a ser explorado já em 1943, quando os cientistas Warren McCulloch e Walter Pitts publicaram um artigo que introduzia pela primeira vez a ideia de redes neurais artificiais. Eles propuseram um modelo matemático inspirado no sistema nervoso humano, marcando um dos primeiros passos na criação de sistemas computacionais inteligentes.

Poucos anos depois, Claude Shannon, em 1950, publicou um trabalho que trouxe a ideia de programar uma máquina para jogar xadrez. Embora os cálculos propostos fossem simples, eles eram altamente eficientes, mostrando como máquinas poderiam realizar tarefas humanas de maneira lógica. Nesse mesmo ano, um dos maiores marcos da história da computação foi apresentado por Alan Turing.

Imagem criada por Inteligência Artificial (MidJourney)

Alan Turing e a base da computação


Alan Turing, famoso pelo filme O Jogo da Imitação, é amplamente reconhecido como o “Pai da Computação”. Durante a Segunda Guerra Mundial ele desempenhou um papel crucial ao decifrar mensagens criptografadas pelos nazistas com o uso da máquina Enigma. Junto com o engenheiro Tommy Flowers, Turing desenvolveu a Bomba Eletromecânica, que revolucionou a guerra ao decodificar rapidamente mensagens inimigas.

Além de seu impacto na guerra, Turing foi pioneiro no campo da computação teórica. Em 1936, ele introduziu o conceito de uma máquina capaz de realizar cálculos, hoje conhecida como máquina de Turing. Seu trabalho também deu origem ao conceito de algoritmo, descrito por Alonzo Church como:

“Qualquer processo aceito por nós, humanos, como um algoritmo é precisamente o que uma máquina de Turing pode executar.”

Inspirado pelo potencial das máquinas, Turing apresentou em 1950 o famoso Teste de Turing. Esse teste coloca um interrogador humano para conversar com dois respondentes, sendo um deles uma máquina e o outro um humano. Sem saber quem é quem, o interrogador deve identificar qual dos dois é a máquina, avaliando sua capacidade de simular o comportamento humano.

O Teste de Turing foi essencial para o desenvolvimento de chatbots e continua sendo um marco para medir o progresso da linguagem nas inteligências artificiais. Mais tarde, o conceito foi expandido para outras competições, como o Prêmio Loebner, criado em 1991 para premiar sistemas que melhor simulassem a interação humana.

Embora novos testes, como o Teste de Winograd, sejam mais avançados, o Teste de Turing permanece relevante, inspirando ferramentas como Alexa, Siri e chatbots modernos usados em serviços de atendimento ao cliente.

Com tantas contribuições na área da matemática e computação, seria impossível não prestar uma homenagem a Alan Turing. No Cappra Institute criamos a exposição de arte e dados chamado Metonim.IA, onde a obra Olhar Computacional foi especialmente desenvolvida em sua honra. Esse quadro reflete, em forma de dados, sua importância no nosso campo de estudos.  

O marco-zero da IA

Apesar dessas menções, o verdadeiro marco-zero da Inteligência Artificial ocorreu em 1956, durante a Conferência de Dartmouth. Nesse evento, liderado por cientistas como John McCarthy (criador do termo “Inteligência Artificial”), Claude Shannon e Marvin Minsky, foi lançada a ideia de que:
“Cada aspecto de aprendizado ou outra forma de inteligência pode ser descrito de forma tão precisa que uma máquina pode ser criada para simular isso.”

Esse encontro definiu as bases para o que hoje conhecemos como IA. Desde então, mais de 80 anos de estudos e avanços culminaram nas tecnologias que utilizamos atualmente.

Perspectivas éticas e sociais da IA

Com o crescimento da IA, surgem também questões éticas importantes. Como essas tecnologias impactarão empregos, privacidade e a tomada de decisões críticas? Até que ponto devemos confiar em máquinas para diagnosticar doenças, decidir empréstimos bancários ou prever tendências econômicas? Essas questões não são apenas técnicas, mas refletem os valores e prioridades da sociedade.

Nos últimos anos, avanços significativos demonstraram o potencial da IA. Em 2016, o AlphaGo da DeepMind derrotou o campeão mundial de Go, um feito que parecia impossível para uma máquina. Além disso, algoritmos de IA têm sido usados para detectar doenças em exames de imagem com precisão impressionante, revolucionando o setor de saúde. Por outro lado, casos de uso controversos, como a criação de fake news e manipulação de dados em redes sociais, mostram que o poder da IA precisa ser regulado com responsabilidade.

Conexão com o cotidiano

Você já interagiu com um chatbot sem perceber que era uma máquina? Como se sentiria se descobrisse que a IA foi capaz de prever algo crucial na sua rotina? Ferramentas como Alexa, Siri e assistentes virtuais estão cada vez mais integradas à vida cotidiana, tornando a tecnologia invisível, mas indispensável.

Especialistas preveem que, nos próximos 20 anos, a IA poderá criar simulações realistas para treinamento de médicos e pilotos, automatizar indústrias inteiras e até mesmo ser utilizada para resolver problemas globais, como mudanças climáticas. Mas, junto com essas possibilidades, surgem os desafios de garantir que essas inovações sejam usadas para o bem comum.

Pensando nessa integração inevitável entre humanidade e tecnologia, o Cappra Institute promove regularmente os workshops conhecidos como “Sala do Futuro da IA”. Esse espaço é dedicado a debates sobre o futuro da Inteligência Artificial no Brasil, criando um ambiente diverso e dinâmico que materializa a conexão da IA com o nosso cotidiano. Os encontros exploram múltiplas perspectivas, abrangendo desde educação, saúde, trabalho até inovação, governança, segurança, entre outros. Incentivando reflexões e cocriações sobre o impacto da IA em diversos aspectos da sociedade.

Conclusão

A história da IA nos mostra que sua evolução está repleta de momentos de ceticismo e entusiasmo, ficando mais relevante a cada década que passa, até culminar na realidade que é hoje onde a IA tem sido uma força transformadora na ciência, na tecnologia e na vida cotidiana.

No entanto, o progresso não pode ser dissociado das questões éticas e sociais que ele traz à tona. Garantir que a IA seja desenvolvida e utilizada de forma justa, segura e inclusiva é uma responsabilidade compartilhada por todos nós — pesquisadores, empresas, governos e a sociedade em geral.

A “Sala do Futuro da IA” exemplifica a importância de criar espaços de diálogo e cocriação para alinhar o avanço tecnológico com os valores humanos. Afinal, o futuro da Inteligência Artificial não é apenas sobre o que as máquinas podem fazer, mas sobre como elas podem nos ajudar a construir um mundo melhor, mais equitativo e sustentável. A verdadeira revolução da IA começa com a nossa capacidade de direcioná-la para servir ao bem comum.


20/01/2025

Escrito por Daniel Maier — PESQUISADOR DO INSTITUTO CAPPRA 

Revisado por Yuri Quisbert — HEAD DO MACHINE CULTURE RESEARCH LAB